segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Ensino religioso: lição de tolerância

Refletir sobre a relação entre escola e religião ajuda a compreender a importância de respeitar a liberdade de crenças
Arthur Guimarães

A separação entre Igreja e Estado representa uma conquista histórica que sempre esteve associada ao reconhecimento da liberdade e da pluralidade espiritual. Garante-se, assim, a tolerância a todos os cultos e inibem-se manifestações oficiais sobre a validade de qualquer posição religiosa. Em nosso país, a Constituição Federal contempla essa tendência e assegura como inviolável a liberdade de consciência e de crença.

Por outro lado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) explicita que o ensino religioso nas escolas de Ensino Fundamental é parte integrante da formação básica do cidadão, tendo matrícula facultativa e devendo ser multiconfessional, o que significa que todas as religiões devem ter as mesmas oportunidades de estudo. O período em que as aulas devem ser ministradas não foi definido formalmente. O ideal é que elas aconteçam no turno inverso ao das aulas regulares. Entre os especialistas, esse tema gera um embate.

Há os que defendem que os estabelecimentos públicos não podem servir de espaço para a pregação religiosa e os que argumentam que a escola tem a obrigação de oferecer tal ensino dentro da proposta curricular regular. Esse debate continua em curso e acaba potencializado pelas diferentes interpretações da lei. "Definições sobre a forma de financiamento, perfil dos professores, horário das aulas e conteúdo a ser trabalhado ficaram sob responsabilidade dos sistemas de ensino, estaduais e municipais", explica Lúcia Lodi, do Ministério da Educação (MEC). Dessa forma, peça informações à mantenedora da sua escola para saber como organizar o ensino religioso em sua unidade, evitando ações sem respaldo legal.

É importante, de qualquer maneira, refletir sobre seu papel na construção da espiritualidade dos estudantes. "Uma coisa é certa: o respeito mútuo, a não-violência e a compreensão não têm relação direta com a religião. São valores que podem ser ensinados independentemente de crenças", exemplifica Roseli Fischmann, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).


Respostas às suas principais dúvidas

Na escola pública, a educacão religiosa sempre foi motivo de polêmica. Algumas das questões que mais afligem o professor foram respondidas por Roseli Fischmann, da USP.

Meus alunos são obrigados a assistir às aulas de ensino religioso?
Tratando-se de uma instituição pública, não. O estudante só poderá cursar as aulas se a família consentir por meio de uma carta, que deverá ficar arquivada na secretaria. No entanto, mesmo com essa permissão, a criança tem o direito de optar por não freqüentar as aulas. Por isso, a direção da unidade é obrigada a informar ao estudante que há essa escolha. E sob nenhuma hipótese ele poderá ser reprovado por falta ou nota - o que seria ilegal e inconstitucional. Já no caso de colégio privado que optar pelo caráter confessional, e que for assim reconhecido e autorizado pelo Estado, a opção deve ficar explícita para a comunidade.

Como devo lidar com a espiritualidade dos estudantes?
Lembre-se de que os estudantes têm liberdade de crença, como qualquer cidadão brasileiro. Há tradições religiosas que pregam o monoteísmo, outras o politeísmo e as que nem sequer se referem a uma figura divina. Com relação a temas da espiritualidade, o importante é saber que temos de nos respeitar, sem constranger quem pensa de um modo distinto do nosso. Respeito independe de concordância e essa é a grande lição que a escola pode ensinar.

Eu preciso saber se meus alunos têm religião e qual?
A criança não pode ser forçada a se manifestar nesse sentido. A crença, como a não-crença, habita o íntimo das pessoas, como a consciência. Assim como ninguém pode ser impedido de manifestar sua religiosidade, também não pode ser obrigado a manifestá-la ou mesmo a possuí-la. Isso pode gerar constrangimento, vergonha e medo. E, o que é pior, desenvolver esses sentimentos em relação a ser quem é, porque a criança se sente "diferente" do que os outros dizem que deveria ser. E quem não está filiado a uma religião ou escolheu ser ateu deve ter igualmente reconhecida sua dignidade.

Nós, professores, acabamos servindo de exemplo para muitas crianças. Como evitar que a nossa fé tenha influência sobre elas?
Pautando sua atuação pelo respeito às crenças de todos, ao mesmo tempo que exige respeito à sua escolha religiosa. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, os professores são, mesmo, reconhecidos pela criança como uma grande e respeitada autoridade. Se ela sente que essa figura, muito amada, por sinal, a reprova ou a discrimina por ter um modo de crer e de manifestar a crença diferente do seu, o dano à construção de sua identidade pode ser muito grande. Há o risco até mesmo de o próprio processo de ensino-aprendizagem ser prejudicado.

Tem problema se, durante as aulas, eu falar da minha religião, que conheço bem e acho a melhor?
Não é correto expor a turma a seu modo de praticar a fé, seja ela qual for, quando estiver na escola pública. Num país como o Brasil, nação de composição populacional marcada pela pluralidade cultural, étnica e religiosa, você corre o risco de ofender qualquer um que não tenha a mesma crença. A simples idéia de rezar ou orar antes da aula, na rede pública, pode significar a transmissão de uma forma de exclusão para seus alunos. Ao mesmo tempo, homogeneizar as mensagens religiosas é atitude simplificadora e corresponde, freqüentemente, a mutilar a verdade presente em cada credo. É preciso deixar claro para a turma que nós, seres humanos, somos iguais em dignidade e direitos, como ensina a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal.
Fonte: Revista Escola (Nov/2003)